quinta-feira, 28 de março de 2024

Exercício 1 - De que valem as intenções?

 Por Jânsen Leiros Jr.

 

¹ Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal...

Seus filhos iam às casas uns dos outros e faziam banquetes, cada um por sua vez, e mandavam convidar as suas três irmãs a comerem e beberem com eles. Decorrido o turno de dias de seus banquetes, chamava Jó a seus filhos e os santificava; levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles, pois dizia: Talvez tenham pecado os meus filhos e blasfemado contra Deus em seu coração. Assim o fazia Jó continuamente.

Jó 1:1-5 - ARA 

 

 Um dos equívocos mais comuns que se pode cometer ao ler esta introdução do livro de Jó, é pensar no protagonista como um homem perfeito, completamente sem pecado ou defeito. Sim, porque perfeito ele não é. Íntegro e reto não são sinônimos de perfeição, mas antes consequências da profunda e sincera devoção a Deus, nascida do temor que Jó tem por Deus, que o faz, ato contínuo, desviar-se do mal. Ou para melhor compreensão, rejeitá-lo, evitando-o sempre.

De saída, esse olhar mais ajustado sobre o que é declarado quanto ao caráter de Jó, nos apresenta uma condição humana possível, longe de ser uma realidade utópica. O texto está falando de uma pessoa comum, sem superpoderes, totalmente possível de ser imitada em sua conduta, desde que haja devoção e temor a Deus. É importante reafirmar: Jó, não é um super-homem.

E por que razão iniciamos nossos exercícios com essa afirmação um tanto controversa? Simplesmente porque, por gatilho defensivo extremamente comum, diante da qualificação que o texto faz de Jó, imaginamos uma pessoa inigualável, de elevados atributos morais inatos, dos quais estamos distantes dada a nossa natureza e circunstâncias. Na sequência, Satanás fará uma aposta sobre um princípio parecido. Mas sobre isso falaremos no próximo exercício.

Quando entendemos Jó como um homem especial por características próprias suas, que por assim dizer o tornavam “íntegro e reto”, colocamos nele, e não do temor a Deus, a razão de desviar-se do mal. E a narrativa começa exatamente desconstruindo essa ideia, fundamentando em bases sólidas, extra hominem, sua integridade e retidão; a devoção com que se dispunha a Deus, em amor. Prazer em agradar-Lhe com suas atitudes. Não é exatamente o que nos diz o Salmo primeiro[1]?

A devoção de Jó, devido seu temor a Deus é tão presente em seus pensamentos, que diante de uma eventual falta de seus filhos “em seus corações”, ele se antecipa em redimi-los em rituais de sacrifícios, para purificação de pecados como era o costume à época.

Há uma questão que precisamos ressaltar, já nas primeiras linhas da história de Jó, sendo, por assim dizer, nosso exercício mais desafiador neste capítulo. Tanto a qualificação introdutória de seu caráter, quanto a preocupação que demonstra sobre seus filhos, apontam para a intenção como delineador do modo de vida, mais do que efetivamente para as atitudes propriamente ditas. Não que as atitudes não sejam importantes ou não pesem em qualquer balança de juízo. Longe disso. Há, todavia, uma implícita ideia de que estas são consequentes daquelas; atitudes na esteira das intenções. Ou seja, a narrativa do livro de Jó parte do princípio de que as inclinações do coração comandam as realizações de todo ser humano.

Talvez por isso o texto de Provérbios diga para guardarmos o nosso coração, pois dele procedem as fontes da vida[2]. Porque no coração nasce o desejo pelo que fazer, quer seja bom, quer seja mal. Mas o coração temente a Deus desvia-se do mal. Ora, não nos diz outro texto, também de Provérbios, que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria[3]?

Eu sei. A essa altura você deve estar pensando no ditado popular que diz: “De boas intenções o inferno está cheio!”. Tal adágio, porém, apesar de amplamente repetido até mesmo em círculos cristãos, é totalmente insustentável diante da onisciência de Deus. A Bíblia incansavelmente afirma que Deus sonda os corações[4]. Deus e não nós. Logo, não conhece Ele a verdadeira intenção que reside no coração de cada um de nós? Não conhece Ele o que realmente somos e pretendemos com cada gesto, fala ou ação? E não afirma ainda o autor de Hebreus, que a Palavra é capaz de discernir pensamentos e intenções[5]? A verdade é que de boas intenções o céu está cheio. Porque as más têm outro destino.

 Jó, portanto, é uma pessoa extremamente comum, como eu e você, cuja retidão e integridade nasce de um coração temente a Deus, desejoso de agradá-lo, e plenamente devotado em agir na direção do que é correto aos olhos do Pai, e que por isso, então, convicto se desvia do mal. Mas nesta história, há quem aposte que os motivos são outros. Veremos mais à frente quem está com a razão.



[1]  Salmos 1:1-2; ¹ Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. ² Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite

[2] Provérbios 4:23

[3] Provérbios 1:7

[4] Jeremias 17:10

[5] Hebreus 4:12